INTRODUÇÃO
Este artigo busca superar visões simplistas e de senso comum, no que se refere à concepção de arte. Dependendo da maneira como a arte for concebida e conseqüentemente trabalhada ela assumirá diferentes papéis na sociedade. Se limitarmos a arte a uma concepção positivista ao estilo "Arte é: " , limitaremos também seu papel no processo de socialização de crianças e adolescentes. É preciso caminhar para uma reflexão epistemológica: o que não é arte, o que pode ser, buscar métodos para pesquisar e ensinar...
Com base na minha experiência, acredito no potencial da arte enquanto conhecimento a ser construído, linguagem a ser experimentada e fruída, expressão a ser externalizada e refletida. Levando nosso aluno a construir, experimentar, externalizar e refletir, estaremos considerando a arte como área de conhecimento, com características únicas e imprescindíveis ao desenvolvimento do ser humano. Um ser dotado de uma totalidade – de emoção e razão, de afetividade e cognição, de intuição e racionalidade – e de uma subjetividade, que não podem ser ignoradas no processo de ensino e aprendizagem da arte, que tanto busca quebras de dicotomias. Os professores são impelidos a escolher entre expressividade e técnica, tradição e inovação, diversão e aprendizagem, mito e profanidade, mágica e estrutura, certo e errado, bonito e feio, como se não existissem equilíbrios e desses elementos, apenas um fosse educativo.
Ana Mae Barbosa, em seu livro Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte, deixa bem claro o potencial desta via de conhecimento ao dizer que:
Por meio da Arte é possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo ao indivíduo analisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada. (BARBOSA, 2003, p.18)
A seguir, apresento e discuto visões de senso comum incorporadas por muitos alunos e professores, com o objetivo maior de superar essas visões, ou, simplesmente, de levar os que lerem este artigo a refletir sobre sua concepção de arte e conseqüentemente sua prática.
VISÕES SIMPLISTAS E DE SENSO COMUM
O senso comum coloca como oposição emoção e razão, subjetividade e objetividade, afetividade e cognição... e assim dicotomiza arte e ciência. A primeira apenas como forma de expressão, de lazer, de contágio, de contemplação, como objeto de consumo e, no currículo escolar, como suporte às demais disciplinas, e, a segunda como única capaz de produzir conhecimento.
É preciso refletir sobre estas dicotomias, perceber que um equilíbrio entre elas é possível e assim superar visões do tipo: Arte é o belo, Arte é contágio, Arte é livre expressão, Arte é interdisciplinaridade, Arte é objeto de consumo. Discutindo estas concepções, busco superá-las e assim chegar a uma que considere a Arte como via de conhecimento, carregada de especificidades e conteúdos próprios e capaz de resgatar a totalidade do ser humano.
Arte é o belo
Uma primeira visão romântica e renascentista é a que associa a arte ao belo. Para a maioria das pessoas a arte está ligada ao belo e quando perguntamos o que se entende por essa área, os grandes mestres da Renascença (Leonardo da Vinci, Rafael, Michelangelo) são usados como referência.
Segundo esta concepção, que ainda é de muitos professores, as obras de arte da Renascença são vistas como belezas a serem contempladas e reproduzidas pelos alunos. E ainda, a criação artística deve seguir rígidos padrões associados ao ideal de beleza, que em verdade é histórico e muda de sociedade para sociedade e ao longo do tempo. E mais, o que é belo para o professor pode não ser para o aluno, e desta forma o professor ignora as culturas jovens por querer impor a sua, em geral, a dominante.
Arte é contágio
Arte também não é o simples contágio, emoção, como defende Tolstói. Segundo ele na Teoria do Contágio, a arte nos contagia com determinados sentimentos. Para Tolstói, a arte só se efetivaria se o sentimento, que constitui o objeto da arte e que passa por uma avaliação moral – bom ou mau – contagiasse o leitor, o espectador, o ouvinte.
Segundo Vigotski, à medida que Tolstói tenta ser coerente com suas concepções acaba caindo em contradição. Isso ocorre quando ele considera como arte o canto de um coro feminino no casamento de sua filha e como tentativa fracassada de arte, sem sentimento definido, a sonata de Beethoven. Com esta comparação percebemos a que conclusões absurdas chega um autor quando toma por base uma concepção de arte que parte exclusivamente do contágio.
Se na minha prática de sala de aula eu tivesse como fundamentação esta teoria, não acrescentaria nada ao universo dos alunos, porque com certeza será muito mais contagiante para eles um rap ou um cantor em destaque na mídia do que Beethoven, Bach, Mozart. Além do mais eu estaria contribuindo para que sofressem mais uma exclusão, a exclusão cultural. Além das tantas que já sofrem!
Portanto, o simples contágio é insuficiente para entender o que é arte.
Em realidade, como seria desolador o problema da arte na vida se ela não tivesse outro fim senão o de contagiar muitas pessoas com os sentimentos de uma. Seu significado e seu papel seriam extremamente insignificantes, porque em arte acabaríamos sem ter qualquer outra saída desses limites do sentimento único, exceto a ampliação quantitativa desse sentimento. (VIGOSTKI, 2001, p.307).
Neste caso a arte lembraria o milagre dos pães e dos peixes, em que o milagre é apenas quantitativo, pois pães e peixes cada um dos que presenciaram comia em sua casa.
Podemos comparar a arte a um outro milagre, o da transformação da água em vinho, já que o sentido vital da arte implica transformações: a arte recolhe da vida o material, mas produz algo que está acima desse material; como disse um pensador: "a arte está para a vida como o vinho para a uva." (VIGOTSKI, p.307)
A arte transforma quem faz, quem vê e a própria matéria usada. Sendo assim, arte vai além do contágio, é uma prática, é um fazer humano, que como prática, tem uma finalidade, um objetivo, uma intenção.
Arte é livre expressão
A Lei 5692/71 instituiu a Educação Artística no currículo oficial das escolas de Ensino Fundamental e Nível Médio, mas pouco se refletiu sobre a complexidade da Arte contemporânea e seu papel nas escolas e principalmente na vida dos alunos. Limitou-se a implantar os cursos de Licenciatura e nas escolas, com raríssimas exceções, o que se via e muitas vezes ainda se vê, é um "laissez-faire". Um deixar fazer qualquer coisa a partir de sensibilização simplista ou da apropriação de sucatas, pouco se importando com a pessoa criadora, nos seus tempos e espaços situacionais e contextuais.
Agindo desta forma, os professores se omitem e acabam traduzindo o fazer artístico como meio de liberar emoções; levando à alienação da realidade e retirando do processo criativo a importância de aspectos cognitivos.
As artes fornecem um dos mais potentes sistemas simbólicos das culturas e auxiliam os alunos a criar formas únicas de pensamento. Em contato com as artes e ao realizarem atividades artísticas, os alunos aprendem muito mais do que pretendemos, extrapolam o que poderiam aprender no campo específico das artes. E, como o ser humano é um ser cultural, essa é a razão primeira para a presença das artes na educação escolar. (FERREIRA, 2001, p32)
Numa sociedade em que há o predomínio de uma concepção de educação voltada ao cientificismo, o reconhecimento da Arte e de suas especificidades de linguagens, acaba não existindo e ela passa a ser condenada como mero apêndice pedagógico, ou como oposição à ciência.
Quando na verdade, arte e ciência são faces do conhecimento, que complementam-se e ajustam-se perante o desejo de compreender o mundo. A arte não é oposição, nem contradição à ciência, todavia nos faz entender certos aspectos que a ciência não consegue fazer.
Sem uma concepção clara do que é arte, sem conteúdos e objetivos definidos, os professores acabam deixando os alunos se expressarem livremente. Trabalham apenas com a dimensão afetiva da arte. Ignoram que no homem, três dimensões estão presentes – a afetiva, a cognitiva e a social – e devem ser consideradas no processo de ensino e aprendizagem.
O espontaneísmo apenas, não basta, o mundo de hoje e a arte de hoje exigem um leitor informado e um produtor consciente. Muitos professores confundem improvisação com criatividade. A criatividade deve ser vista como um processo de busca de solução para um problema, muitas vezes não muito claro, mas que se materializa nas cores e formas de um pintor e também nas fórmulas de um cientista.
Arte é interdisciplinaridade
Uma citação de Sandra Lúcia Ferreira deixa bem claro que trabalhar com interdisciplinaridade é como executar uma sinfonia:
Para a execução será necessária a presença de muitos elementos: os instrumentos, a platéia, os aparelhos eletrônicos etc... Todos os elementos são fundamentais, descaracterizando, com isso, a hierarquia de importância entre os membros... Para que a sinfonia aconteça será preciso a participação de todos. A integração é importante mas não é fundamental. Isto porque na execução de uma sinfonia é preciso a harmonia do maestro e a expectativa daqueles que assistem. (FERREIRA, 2001, p. 34)
A interdisciplinaridade não pode ignorar as especificidades de cada área. Se a interdisciplinaridade acontecer da forma como Sandra Lúcia Ferreira propõe, ótimo! O que é muito diferente de usar a Arte para decorar as festas da escola, para ilustrar texto de Português, ou para ensinar princípios matemáticos via origami.
Assim como as outras disciplinas, a Arte tem conteúdo próprio. Mas, muitas vezes não é isso o que percebemos nas falas dos professores de Arte, como revelou a pesquisa de mestrado de Regina Célia Almeida Rego Prandini (2000). As entrevistas feitas por PRANDINI com professores de uma escola estadual do centro da cidade de São Paulo, revelaram que os professores de Arte não têm claro os conteúdos da disciplina que ministram e acabam aceitando, como seus, os conteúdos dos Temas Transversais, como cidadania, sexualidade, ecologia, os conteúdos das demais disciplinas, bem como aqueles referentes as datas comemorativas.
Trabalhar de forma interdisciplinar não quer dizer partir das outras disciplinas e integrá-las à Arte ou colocar a Arte a serviço das outras disciplinas. A Arte não é um meio, é um fim em si. Ela não serve nem é servida. Ela é ela!
Vista desta forma, a interdisciplinaridade será uma questão de atitude. Atitude frente ao conhecimento. É a substituição de uma concepção fragmentada por uma única de ser humano.
Arte é objeto de consumo
O homem relaciona-se com a arte segundo as influências do seu tempo e no mundo contemporâneo em que vivemos tal relação acontece quando ele tem ou deseja ter uma gravura, um disco, um livro muito bem ilustrado, quando deseja ir a uma exposição, assistir a uma peça de teatro, quando adquiri um quadro para combinar com a parede da sua casa, quando compra uma escultura porque o tamanho dela será perfeito para colocar no corredor... numa relação puramente consumista, e, muitas vezes elitista.
Sendo considerada como objeto de consumo, como fica a situação dos economicamente desfavorecidos frente à arte? Neste aspecto, a arte passa a ser elitizada, já que os de um nível econômico baixo, não têm acesso a ela. A arte passa a ser mais uma forma de exclusão! Exclusão social e cultural.
O professor deve apropriar-se da cultura de seus alunos, vista muitas vezes como inferior, para poder ampliá-la e fazer com que eles se apropriem da arte de uma forma significativa. Não como um objeto a ser comprado, pelo simples status que ele pode proporcionar, mas como uma área de conhecimento capaz de prepará-los para fruírem a produção dos artistas, refletirem sobre elas e produzirem sua obra.
ARTE É CONSTRUIR, É CONHECER, É EXPRIMIR
Para superar visão de senso comum e os riscos de reduzir a arte a apenas um aspecto, podemos considerar a contribuição de Luigi Pareyson e refletir sobre a arte como construção, como conhecimento e como expressão.
Didaticamente separadas, mas que acontecem de forma imbricada, num encontro entre objetividade e subjetividade, consciente e inconsciente, razão e emoção.
Um trabalho artístico passa pela mente, pelo coração, pelos olhos, pela garganta, pelas mãos; que pensa, recorda, sente, observa, escuta, fala, toca e experimenta. Um processo que desenvolve um campo de conhecimento tão importante quanto inatingíveis pela linguagem lógica, científica, tão presentes nos currículos escolares, que ainda são embasados por uma visão positivista, com ênfase no aspecto técnico, importando-se apenas com a mera transmissão de conhecimentos prontos e acabados.
A partir das descontruções de concepções sobre a arte feitas até aqui, pretendo agora, aproximar-me de uma concepção de arte mais completa, do que ela pode ser enquanto conhecimento, construção e expressão.
Arte como construção
Arte é construção porque através dela se constrói algo, se transforma a matéria oferecida pela natureza ou pela cultura. Essa transformação se dá através do trabalho, de uma techné, que, segundo os gregos, é um modo exato de perfazer uma tarefa.
Segundo esta concepção, tanto os artistas quanto os artesãos tem um processo de produção que envolve uma techné e também possuem um processo de criação que envolve uma poiesis. Em outras palavras: a arte tem tanto um caráter técnico, racional; quanto outro mais subjetivo, ligado ao prazer estético, de quem faz ou de quem frui arte. Com essas palavras verifica-se a limitação da concepção que considera a arte apenas como livre expressão.
Um processo de criação artístico é uma construção que tem dois grandes e fortes alicerces: a imaginação e o trabalho.
Desde a Antiguidade houve uma preocupação com a técnica. Podemos perceber isso na Renascença italiana, com preocupações racionais ligadas à perspectiva e à proporcionalidade. Esse caráter sistematizado permanece até os dias de hoje, como um abc do processo de aprendizagem da pintura.
A arte do século XX relativiza essas "leis" estéticas, mas como os padrões da Renascença permaneceram resistentes por vários séculos ainda estão presentes no discurso de muitas pessoas, aquelas que acreditam na primeira concepção de arte apresentada neste artigo, "Arte é o belo".
Com esta reflexão podemos concluir que arte envolve técnica, mas é importante uma outra reflexão: o grau de subjetividade presente no uso da técnica. "Até onde chegam as técnicas aprendidas e onde começa a técnica pessoal, a forma viva?"
A práxis estética envolve potências lúdicas, críticas e existenciais, envolve também o modo único de ser de cada pessoa. Daí a importância de se oferecer aos alunos um contato cada vez mais íntimo com a arte, e isso implica incluir no processo de ensino e aprendizagem algumas questões técnicas, alguns procedimentos artísticos para que a partir deles o aluno crie a sua forma pessoal, única e reveladora de quem ele é.
Arte como conhecimento
Arte é conhecimento porque a própria significação da palavra denota tal concepção. O termo alemão kunst, o inglês know, o latim cognosco e o grego gignosco partilham da raiz gno, que indica um saber teórico ou prático, portanto um conhecimento. E mais, ars, palavra latina e raiz do português arte, presente também no verbo articular: ação de fazer junturas entre as partes e o todo.
Mas, como entender este saber?
Desde as mais antigas tradições teóricas, este saber esteve ligado à representação, ou como mímesis, imitação de traços e gestos humanos; ou como reprodução seletiva, do que parece ser mais característico em uma pessoa ou coisa, mas sempre preocupado com o realismo.
Alguns nomes da historiografia moderna, entre eles PANOFSKY, negam tais teorias que reduzem a arte à esfera da pura imitação, pois desde a pré-história os homens usavam a arte de forma diferente, usavam-na para registrar a existência humana.
O ver do artista é um ver afetado pelo pensar; um ver que analisa as formas e cores da natureza e as recompõe com uma nova inteligência do real. Assim, o ver-pensar é um combinar, um repensar, um transformar os dados da experiência sensível: "Arte: percepção aguda das estruturas, mas que não dispensa o calor das sensações." (BOSI, 2003, p.41)
A partir desta frase podemos diferenciar percepção estética e percepção científica. A última apenas manipula as coisas, enquanto que a primeira é causadora de uma experiência singular e poderosa, com presença ativa e pensante do sujeito no mundo. O artista vive o seu tempo, com as visões de mundo, o espírito da época, ideologias de classe e de grupo..., com universos de valores que se fazem presentes na hora da criação artística e que são vividos com todo o seu empenho intelectual e ético, revelando a idéia de que arte é conhecimento.
Arte como expressão
Arte é expressão! Mas será que temos claro a dimensão do termo? O que significa, em geral, "expressão"? A expressão se encontra entre uma fonte de energia e um signo que a veicula: "Uma força que se exprime e uma forma que a exprime." (BOSI, 2003, p.50)
Há uma força e uma forma envolvidas na expressão e dependendo do seu grau de mediação a expressão será efusão, símbolo ou alegoria.
- Efusão é a expressão direta, imediata.
Por exemplo: um grito de dor pela morte de um ser amado.
- Símbolo é a expressão articulada através de uma linguagem para compor as imagens e a sintaxe.
Por exemplo: uma oração fúnebre recitada em memória a um ser amado.
- Alegoria é quando há um intervalo grande de distância entre a imagem e o conteúdo ideal.
Por exemplo: uma escultura de mármore de uma águia sobre o túmulo de um ser amado para representar as virtudes de força e ousadia.
Tendo claro estes três graus da expressão ao trabalhar com nossos alunos não devemos limitá-los a efusão, mas propiciar uma abstração tal, que passe pela expressão simbólica e chegue à alegoria.
Outra reflexão importante de ser considerada quando falamos de arte como expressão é a que considera a linguagem como energeia, como "força em ação", "produção"; opondo-se a dynamis, cujo sentido é o de "força em estado potencial". A expressão é mais do que um impulso, é um trabalho. E se arte é expressão, neste sentido, é também construção e conhecimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os currículos atuais, organizados segundo uma visão positivista, para atender os interesses de uma sociedade capitalista, privilegiam o caráter racional e útil das disciplinas, um útil que não vai além do sentido prático que o termo propõe, pois se ampliarmos esse conceito, para além do utilitarismo, veremos o quanto a arte pode ser "útil" para o desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Diante desta situação, há um apelo, por parte dos arte-educadores, para que os valores estéticos sejam incluídos no currículo escolar das instituições de ensino brasileiras. Instituições essas que valorizam uma educação baseada numa concepção cientificista, em que muitos professores, inseridos nesta ideologia, deixam seu imaginário ser contaminado pelo mercado e pela mídia, encaram a educação como um caminho para se chegar a um bom emprego e assim conseguir prestígio econômico. Nesta visão simplista e capitalista de sucesso, ignoram a arte e seu potencial, ignoram-na como enriquecedora da prática individual, prática no que diz respeito à construção de sentido, de significado no que fazem, observam e pensam, não no sentido mecânico e imediato que o termo prático sugere.
Numa sociedade em que a divisão do trabalho é fator determinante e as pessoas estão cada vez mais especializadas, a arte seria uma forma de resgatar a totalidade. Totalidade esta, que envolve as várias dimensões do ser humano: afetiva, cognitiva e social, numa relação integradora de emoção e razão, afetividade e cognição, subjetividade e objetividade, conhecimento e sentimento... Fragmentam-se as funções, fragmentam-se os olhos, fragmenta-se o pensamento e assim as pessoas se tornam incapazes de perceber e atuar na sua totalidade. São pilotos, engenheiros, agrônomos, professores de artes visuais, professores de artes cênicas... São indivíduos fragmentados.
É preciso repensar a educação sob esta perspectiva. Pensar a atividade estética como um brinquedo, como um fim em si. Isso exige contrariar os princípios da sociedade industrial e capitalista em que vivemos, em que tudo é linha de montagem. A arte, assim como o brinquedo, existe em função dela mesma, da alegria que faz brotar.
Esse prazer da experiência estética e lúdica foi banido das escolas e da experiência de vida dos alunos, que amedrontados com o vestibular e com a exigência da eficácia passam sua escolaridade fazendo coisas sem entender, sem rir, sem sentir, sem brincar...
Portanto, o conhecimento artístico não deve ser considerado como um meio para outras áreas do saber, ele não pode ter como objetivo ilustrar os trabalhos de português, geografia, história ou mesmo formar hábitos de limpeza, ordem, atenção, concentração e ser usado como um instrumento para relaxar. O conhecimento artístico deve ser visto como um fim em si, como um saber carregado de especificidades, com objetivos e conteúdos próprios e que, se fundamentado numa concepção estética, que vai além da própria disciplina escolar, que envolve beleza, símbolo e diversidade de linguagens, pode ser considerado como uma forma de sensibilização para além do ensino de artes.
Arte é um trabalho do pensamento, um pensamento emocional e específico que o ser humano produz, com relação ao seu lugar no mundo. Daí a importância de repensar a educação sob a perspectiva da arte e transformá-la numa atividade estética, num ensino criador, em que haja uma integração entre a aprendizagem racional e a estética, para além do ensino de Arte. Assim, conhecer será também maravilhar-se, divertir-se, brincar com o desconhecido, indagar a existência humana, interpretar diferentes papéis, arriscar hipóteses ousadas, trabalhar duro, esforçar-se e alegrar-se com descobertas.
Com esta reflexão busquei distanciar-me das visões simplistas e de senso comum que circundam o ensino de arte e aproximar-me de uma visão mais ampla, que considera a arte como via de conhecimento, como capaz de causar uma experiência singular, poderosa e total do sujeito ativo, pensante e transformador que é o ser humano em relação ao mundo em que vive.
Estarei coletando e analisando os dados da minha pesquisa, que tem como objeto de estudo "o papel da arte na educação de crianças econômica e socialmente desfavorecidas", segundo esta concepção. Foi uma reflexão importante de ser feita, pois o ensino de arte e, conseqüentemente , o seu papel, estão associados a concepção que se tem da arte.
Arte como conhecimento, como a mais importante concentração de todos os processos biológicos e sociais do indivíduo na sociedade, como um meio de equilibrar o homem com o mundo nos momentos mais críticos e responsáveis da vida. Como motivo de transformação do homem e conseqüentemente da sociedade. É esta transformação pela arte que busco alcançar com as crianças com que trabalho, pois considero que a aprendizagem artística envolve um conjunto de diferentes tipos de conhecimento que visam à criação de significações, exercitando fundamentalmente a constante possibilidade de transformação do ser humano.
"A arte dirá a palavra decisiva e de maior peso. Sem a nova arte não haverá o novo homem." (VIGOTSKI, p.329)
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* Joselaine Borgo Fernandes de Freitas é graduada em Design pela UNESP / Bauru, mestranda do Programa de Pós Graduação em Artes Visuais, do Instituto de Artes da UNESP / São Paulo e arte-educadora da Fundação Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBOSA, A. M. (Org.) Inquietações e mudanças no Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2003. 184p.
BOSI, A. Reflexões sobre a Arte. São Paulo: Ática, 2003. 80p.
COELHO, J. G.; BROENS, M. C.; LEMES, S. S. (Orgs.) Pedagogia Cidadã: Cadernos de Formação – Metodologia de Pesquisa Científica e Educacional. São Paulo: UNESP, 2004. 192p.
DUARTE JUNIOR, J. F. Fundamentos Estéticos da Educação. Campinas: Papirus, 1988.150p.
FERREIRA, Sueli (Org) O Ensino das Artes: Construindo Caminhos. Campinas: Papirus, 2001, 224p.
MARTINS, M. C.; PICOSQUE, G.; GUERRA, M. T. T. Didática do Ensino da Arte: A Língua do mundo – Poetizar, Fruir e Conhecer Arte. São Paulo: FTD, 1998. 197p.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte / Secretaria da Educação Fundamental. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. 130p.
VIGOTSKI, L. S. Psicologia da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 377p.
ZAMBONI, Silvio. A Pesquisa em Arte: um paralelo entre arte e ciência. Campinas: Autores Associados, 2001. 107p.
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