Pintura Corporal
Indígena
Uma das características que mais marcam
a cultura indígena, é a pintura corporal que pode ser vista como tão necessária
e importante esteticamente como a roupa usada pelo “homem branco”. A pintura
corporal para os índios tem sentidos diversos, não somente na vaidade, ou na
busca pela estética perfeita, mas pelos valores que são considerados e
transmitidos através desta arte. Feita de jenipapo, carvão ou urucum, tem como
objetivo diferir os povos, determinar a função de cada um dentro da aldeia e
até mostrar o estado civil. Algumas índias utilizam esse método, por exemplo,
para “dizer” que estão interessadas em encontrar um parceiro.O processo de
preparação da tinta consiste em ralar a fruta com semente e depois misturá-la
com outros pigmentos, como o carvão, para diversificar as cores.Nos dias comuns
a pintura pode ser bastante simples, porém nas festas, nos combates, mostra-se
requintada, cobrindo também a testa, as faces e o nariz. A pintura corporal é
função feminina, a mulher pinta os corpos dos filhos e do marido. Cada etnia
tem sua própria marca e se alguma outra utilizar a mesma, uma luta entre as
aldeias pode ocorrer.A etnia Tenharim, do Amazonas, faz desenhos de bolas em
todo o corpo para se caracterizar. Homens usam desenhos maiores para se
diferenciarem das mulheres e imporem uma posição de liderança. Já na aldeia Tapirapé, do Mato Grosso, homens podem usar as mesmas figuras das
mulheres, mas as mulheres não podem usar as dos homens. Esta é uma arte muito
especial porque não está associada a nenhum fim utilitário, mas apenas a pura
busca da beleza.
Pinturas Indígenas
Araweté
Os Araweté (ou Bïde = nós, seres humanos,
em oposição a awi, os outros, os inimigos), habitantes
do Sul do Pará, não são mais de 300 na atualidade. Constantemente ameaçados por
belicosos vizinhos ou pelo homem branco, o que os levou no passado a sucessivos
deslocamentos, é compreensível que sua cultura material seja limitada. Pintam
cabelos e corpo com o vermelho do urucum, e no rosto traçam em preto uma linha
horizontal sobre as sobrancelhas, uma vertical de alto a baixo no nariz e duas
diagonais que vão do lóbulo da orelha à comissura labial.
Asurini
Os
Asurini (= vermelhos) totalizam hoje uns 400 indivíduos, e vivem no
Tocantins. Utilizam em sua pintura corporal motivos ornamentais estilizados,
inspirados na natureza – cipó, feijão graúdo, pata de jaboti, rabo de macaco,
cangote de onça pintada etc. - ou seres míticos, como Anhyaga Kwasiat, que foi quem lhes teria revelado os
desenhos. Conforme se destine a ornar determinada parte do corpo, a pintura
recebe nome específico; assim, a da perna chama-se tamaki, a da cabeça kuaipai etc.
Bakairi
São hoje
cerca de 1000 e vivem em Mato Grosso. Homens e mulheres costumam pintar seus
corpos com jenipapo, urucum e tabatinga em ocasiões especiais, como o
casamento, a primeira menstruação ou a morte, bem como no início da colheita do
milho, na cerimônia de perfuração da orelha etc. Suas máscaras, em número de
23, cada uma dedicada a um animal, são pintadas com os mesmos motivos.
Bororo
Entre os Bororo, que vivem em Mato Grosso e hoje totalizam cerca de
1.000 indivíduos, a pintura corporal representa um elo de ligação entre o mundo
dos vivos e o dos mortos, e só pode ser usada com autorização do tuxaua, em
ocasiões especiais. Tem tríplice finalidade: ornamentar o corpo, evitar doenças
e afastar os maus espíritos. Durante os rituais, os que a recebem representam o
espírito dos mortos ou dos animais. Quanto aos motivos ornamentais, são
estilizações de formas naturais, encontradas na fauna e na flora.
Guajajara
Vivendo na região central do Maranhão,
os Guajajara (“povo do cocar”), ou Tenetehara (“seres humanos verdadeiros”), hoje em
número superior a 13.000, sofreram em contacto com os brancos um processo de
aculturação quase total, a ponto de terem praticamente abandonado seus usos e
costumes tradicionais, a pintura corporal inclusive, para somente a partir de
1970, graças aos esforços da FUNAI, voltarem a utilizá-la por ocasião de festas
e rituais.
Kadiwéu
Os padrões
ornamentais utilizados em sua pintura
corporal pelos Kadiwéu de Mato Grosso do Sul
(hoje reduzidos a menos de 2.000 indivíduos)consistem em espirais, curvas e
contra-curvas, cruzes, losangos, volutas etc. aplicados no rosto, e somente
nele, e de motivos geométricos inspirados na Natureza, no corpo e apenas nele. No
passado, os nobres pintavam apenas a testa, reservada aos “plebeus” a pintura
de todo o corpo. Entre todos os indígenas brasileiros, os Kadiwéu destacam-se até hoje como os melhores pintores.
Karajá
Divididos em três
subgrupos: o Karajá propriamente dito, que é o mais
numeroso, o Javaé e o Xambioá, que distribuídos por
29 aldeias totalizavam na atualidade pouco menos de 3.000 indivíduos, os Karajá - ou Iny (“nós”), como se auto-denominam -,
habitam uma vasta área dos Estados de Tocantins, Goiás e Mato Grosso, ao longo
dos rios Araguaia e Javaé, nela incluída a Ilha do Bananal. Na
sociedade Karajá a pintura desempenha papel de relevo, não só a ornamental, com
que enfeitam sua cerâmica utilitária ou figurativa (os famosos licocós), como sobretudo a corporal. Num e noutro casos os padrões
ornamentais são constituídos por linhas horizontais ou verticais que ora se
aproximam ora se afastam ou se entrecruzam, entremeadas de pontos,
representando partes fortemente estilizadas de corpos de animais (cobra, peixe,
tartaruga etc., nunca o animal inteiro). Tais padrões, mais de uma
centena, praticamente indistinguíveis a olhos não-índios, não são aplicados
aleatoriamente, sendo seu uso determinado por fatores como idade, sexo ou posição
social. Assim, há padrões só reservados aos chefes, outros aplicáveis apenas a
artefatos, e outros ainda utilizáveis em situações especiais. Pernas e braços
recebem pinturas à base de listas, faixas e pontos; mãos, pés e rosto, padrões
extraídos à fauna. Quando nasce uma criança Karajá, seu corpo, após banhado, é recoberto
de urucum; aos 10, 12 anos, na cerimônia iniciática do hetohoky (“casa grande”), o menino é pintado
com a tinta preta azulada do jenipapo e se torna um jyre;
atingindo a puberdade, o adolescente recebe na face dois círculos pintados a
jenipapo e carvão, que no passado recobriam uma dolorosa escarificação feita com o dente do peixe-cachorro.
Kaxinawá
Costumam
pintar seus corpos por ocasião das grandes festas, como o “batismo” dos legumes
e o das bananas. Os padrões ornamentais – mais de 50 – derivam de formas da
fauna: jibóia, jacaré, coruja, lagarto etc. etc.
Maku
Os Maku, habitantes da região fronteiriça
entre o Amazonas e o Peru, possuem cultura material rudimentar. Na verdade,
suas canoas, cerâmica, cestaria e pintura corporal são copiadas das
dos povos seus vizinhos, como os Tukano e os Arawak.
Maxakali
Nada melhor para explicar o papel da
pintura corporal entre os Maxacali de Minas Gerais do que esse pequeno
texto de um deles, Rafael Maxakali, explicando o namoro e o casamento
entre seu povo: “Os Maxakali dançam, brincam, nadam e se pintam com
urucum e jenipapo para ficarem bonitos e namorar. Mas como eles namoram? Os
espíritos saem para cantar e dançar e cantam bonito. Então dançam com as
mulheres. Mas aqueles (aqueles dois) no cantinho estão brincando e namorando
também. Também namoram quando estão nadando, pintam o rosto, a perna e o braço
com urucum, pintam-se para ficar bonitos”.
Panará
Os chamados “índios gigantes”, cerca de
200 indivíduos cujo habitat atual localiza-se entre Mato Grosso e o Pará,
descendem dos antigos Cayapó do Sul, dizimados pelos bandeirantes
no Séc. XVIII e quase definitivamente extintos em começos do Séc. XX. Não mais
possuindo sua própria pintura corporal, os Panará adotaram em época recente a dos povos
seus vizinhos, num curioso processo de apropriação cultural.
Timbira
Esse nome se aplica a sete sociedades
indígenas localizadas no Maranhão e no Tocantins: Apanyekrá, Apinayé, Ramkokamekra-Canela, Gavião do Oeste, Krahô, Krinkati e Pukobyê. Além de suas festividades e rituais,
durante as quais pintam os corpos com os padrões e nas cores que caracterizam
os diferentes clãs, todos esses povos cultivam a corrida de toras, que não faz
parte de nenhum ritual de iniciação ou pré-nupcial, como se pensava, mas é,
isso sim, uma espécie de esporte nacional Timbira. Para a realização da corrida
de toras os membros da comunidade dividem-se em grupos, segundo sua pintura, ou
em sociedades de festa; assim os Katám (vermelhos) enfrentam os Vanmégn (pretos), entre os Apinayé de Tocantins, enquanto uma intrincada
tabela opõe Patos, Gaviões, Jaguares, Cutias, Máscaras, Peixes e Palhaços,
entre os Ramkokamekra-Canela do Maranhão - e para só ficar nesses
exemplos. As toras, obtidas de troncos de buriti e pintadas pelas mulheres de
cada grupo, têm peso e dimensões que variam segundo a idade dos contendores (15
a 55 anos); as maiores, reservadas aos campeões da tribo, medem cerca de um
metro de altura por 40 a 50 cm de diâmetro, e chegam a pesar 100 quilos! O
desafio é levá-las às costas desde o local onde foram cortadas até ao centro da
aldeia, num percurso médio de três quilômetros. Entre os mais importantes
rituais Timbira incluem-se o Mekapri, durante o qual o espírito de uma
pessoa enferma é instado a voltar ao seu corpo, e as cerimônias de casamento,
morte e enterro.
Xerente.
Os Xerente (Akwe) habitam o Tocantins e são hoje cerca
de 1.800. Os motivos predominantes em sua pintura corporal são o traço, que
identifica os que pertencem ao clã Wahirê, da Lua, e o círculo, para os que
integram o clã Doí, do Sol. Adultos somente se pintam em
ocasiões especiais, ao contrário das crianças, que devem andar sempre pintadas.
As cores predominantes são o preto, obtido da mistura de carvão com pau-de-leite, o vermelho de urucum e o branco,
reforçado com penugem de periquitos. Antes da aplicação das tintas, o corpo é
untado com óleo de babaçu.
Xokleng
Os Xokleng de Santa Catarina conservaram até
cerca de 1950 seus usos e costumes, crenças e cultura material, o que incluía a
pintura corporal, cada família ostentando em ocasiões especiais suas “marcas”
próprias, inspiradas em animais. Quando um Xokleng casado morria,seu viúvo ou viúva
permanecia algum tempo em reclusão, para se purificar, e ao ser reintegrado à
comunidade era recebido em meio a cantos e danças, todos usando no corpo suas
marcas de identificação.Em nossos dias, os Xokleng adotaram a religião episcopal,
passaram a usar roupas como os brancos e trocaram rituais e celebrações pelas
reuniões quase diárias da Assembléia de Deus.Hoje, somente no Dia do Índio, 19
de abril, os 750 remanescentes desse povo se despojam de suas roupas e pintam
seus corpos com as velhas marcas, não com finalidade ritualística, mas por
motivação estética, por achá-las uh (bonitas). A FUNAI vem tentando em época
recente reiniciá-los em seus costumes tradicionais, mas enfrenta a resistência
dos religiosos.
Yawanawa
Apenas os membros mais idosos dos Yawanawa do Acre (com seus parentes, os Katukina) ainda conservam na
memória os padrões ornamentais de sua antiga pintura corporal, hoje executada
pelas mulheres somente por ocasião das grandes festas ou saiti (“gritaria”), como a do mariri e a da caiçuma. Nessas pinturas,
cada vez menos freqüentes, predominam o preto do jenipapo e o vermelho do
urucum.
Wajãpi
Esse povo, integrado por cerca de 1.000 indivíduos, mais da metade
vivendo no Amapá, e os restantes na Guiana Francesa, distingue-se por ter sido
responsável pela criação do padrão kusiwa (“caminho do risco”), utilizado tanto
em sua pintura corporal quando na de seus objetos.Trata-se de combinar entre si
do modo mais engenhoso possível desenhos estilizados de cobra, borboleta,
espinha de peixe, casco de jaboti etc., assim formando intrincadíssimas tramas ad infinitum. Para os Wajãpi os padrões empregados no kusiwa foram-lhes revelados pelos mortos, e o indívíduo que tem o corpo pintado passa a se identificar com o espírito
de um morto, ou de um animal. Em 2003 a UNESCO declarou o padrão kusiwa Patrimônio Imaterial da Humanidade.
Wayana
Como tantos povos indígenas, os Wayana, que habitam o norte do Pará, têm uma
versão mítica para a origem dos padrões e das cores com que se pintam. Segundo
eles, foi o homem-lagarto kurupeakê e a cobra-grande tuluperê que lhes forneceram os desenhos e cores (preto e vermelho
respectivamente) de sua pintura corporal. Aliás, prova da superioridade do
homem sobre o bicho é que cada bicho possue uma única “pele”, enquanto ao se
pintar o homem pode utilizar várias “peles”. Certos motivos Wayana possuem simbolismo particular: assim, o pontilhado imita as
malhas da onça e representa o domínio sobre a Natureza; o triângulo é a
borboleta e remete ao mundo espiritual; e o listrado é uma alusão à
cobra-grande e ao sobrenatural.